julho 03, 2012

"Tens um mano na tua barriga?"

"Tens um mano na tua barriga?" - entrou de rompante pelo meu quarto. A mãe, internada no quarto ao lado, tentou demove-la. " Não incomodes a senhora! Anda cá!". Mas ela continuava a olhar para mim, de pé, à beira da minha cama de hospital. Olhos azuis, cabelo louro, 4 anos de gente.



"Também tens um mano na barriga?"- insistia. Pego-a ao colo para se sentar aos pés da cama, leve que nem uma pluma. "Cuidado com o meu cateter!". A mãe, pálida e com ar gasto, grávida do mesmo tempo gestacional que eu, a contar-me da leucemia da filha, dos tratamentos de quimioterapia, da gravidez que pode ser uma esperança de vida, de mais vida ainda, o verdadeiro milagre da vida, para a filha que já vive. Das possibilidades de compatibilidade do novo bebé, que entretanto ganha pouco peso no útero, fruto do sistema nervoso da mãe que, internada, não acompanha pela primeira vez, em dois anos e meio, o ciclo de químio da filha.


"Tens um Bobi?"- fita-me, a pequena, de olhos pregados no suporte com rodas que me eleva o soro. E a mãe sorri, gasta e cansada, velha no pico dos seus 26 anos, a aguardar um milagre que são dois, agora. O bebé só tem um rim mas não lhe importa. A doença da filha ensinou-a a racionalizar a realidade. "Vive-se só com um rim, eu quero é que ele nasça bem, mesmo que não seja compatível,. Quero- os aos dois, bem! Percebe-me, não é?" Percebo tão bem.


E a menina canta- me aos pés. Elevo-a no elevador da cama, fica alta no cimo do colchão elevado. "Vou tocar no sol!"- e não parece doente, enquanto escorrega pelas minhas pernas, se ri às gargalhadas e folheia um livro que me ofereceu uma leitora deste blog.


A mãe a insistir que me deixe sossegada, sorriso exausto. Está desempregada, " ninguém dá trabalho a uma mulher que tem que faltar uma semana por mês para acompanhar a filha na quimioterapia". E, agora, internada. O marido teve que meter baixa para a substituir- "o dinheiro da baixa não vem logo no mês em que gozamos a baixa, este mês nao sei como irá ser". A filha, tagarela, dá gargalhadas e, por um momento, o sorriso abre-se, alheio aos problemas. Acaricia a barriga, como que a regar o crescimento do bebé que aí vem.


Falamos dos bebés que esperamos. Chega mámen para a visita, senta a menina ao colo, faz-lhe desenhos a pedido. A mãe elogia o jeito dele para desenhar. Mostro- lhe a fotografia da parede do quarto da Ana, pintada por ele. A menina pergunta se ele lhe pode desenhar uma Kitty na parede. Sorrimos os dois, cúmplices. Hoje toleramos a Kitty. Sim, irá pintá-lá, logo que a mãe regresse a casa. A menina salta de alegria.


Chega o jantar, a mãe e a menina recolhem ao seu quarto, não sem antes a pequena insistir: "Tens um mano na barriga?".


Lembro- me das discussões que temos tido acerca da preservação de células estaminais. Banco Público ou empresa privada? Se colocarmos no Banco Publico e aparecer alguém que precise, a nossa filha fica sem as suas células disponíveis. No Privado as células serão sempre guardadas para ela.


E a menina ali ao lado, a precisar de um transplante de medula. Não pode haver egoísmo na humanidade. Nem umbiguismo. Se a nossa filha fosse compatível, não hesitaríamos um segundo, sabemo-lo com o olhar, as palavras não são precisas.


E, finalmente, respondo "Sim, tenho uma (m)Ana na barriga!". Porque todos os bebés deveriam ser irmãos da menina.


A minha sê-lo-á.
 
Vamos todos ajudar a Bia e todos os manos que precisam de nós?
 
Continua aqui:
 
Campanha- "Estamos todos de esperanças"



Ainda estou tonta com a avalanche de amor que aqui demonstraram.

Sei que pedidos de ajuda toda a gente recebe todos os dias. Sei que, às vezes, eu não sou nenhuma benfeitora real e, também eu, ignoro e-mails e status de facebook semelhantes ao que aqui vos deixei.


Mas, quando um par de olhos azuis e um sorriso destes se cruza no nosso caminho, é real e palpável, não há como passar em frente.


Até a esta hora, mais de 300 pessoas partilharam este link de facebook e quase 5000 pessoas conheceram, agora, a história da Bia.


Então, organizando ideias, como se pode ajudar?


Primeiro e, mais importante, tornando-se dadores de medula óssea. Tudo o que precisam de saber sobre este assunto está aqui. Bem sei que está calor, que é um maçada ir dar sangue até ao hospital e que há montes de motivos para ir adiando a ida. Mas eu conheço a Bia e- garanto-vos!- a Bia é uma razão suficientemente forte para levantarmos o rabo da cadeira e agirmos.


Organizando no local de trabalho, no clube, no sindicato, nas reuniões de tupperware ou nas da mala vermelha, no ginásio ou na universidade uma recolha de sangue em parceria com o hospital da V. residência. É uma forma de mobilizarem colegas e amigos em torno de uma causa nobre.


Se está grávida doando as células estaminais do cordão umbilical do seu bebé para o Banco Público. Isto é, optando pela criopreservação das células do sangue do cordão umbilical na LUSOCORD.

Ajudando monetariamente a família através de transferência bancária para o NIB 0010 0000 2623 6280 0018 3 (by the way, o nome do titular é Christian Zorzytzky, o pai da Bia é alemão. A mãe é portuguesa.).


Angariando fundos para ajudar a família através de ideias giras ou mobilizando as empresas onde se trabalha ou onde se tem contactos numa perspectiva de responsabilidade social.


Oferecendo bens. A família receberá o novo bebé em breve e sabemos as despesas que isso acarreta. Bens de farmácia, leites em pó, fraldas, soros, toalhitas, roupinhas ou o que se lembrarem que pode ser útil e fazer a família poupar dinheiro nesta fase.


Contando esta história nos V. blogs para a difundir, tal como já fizeram a Me, a Mac, a Leididi, a S* ou a Turista.


Divulgando esta história massivamente por e-mail ou através do facebook de forma a podermos fazê-la chegar a tanta gente quanto possível.


E eu? Eu sinto-me pequena, minúscula ao pé de vocês!


Obrigada é pouco para vos agradecer. :)

Eu estou de esperanças. E vocês?
 
A Ursa maior da blogosfera escreve o texto com o coração e emocionou todos os que passaram pelo seu blogue.
 
Eu também estou de esperanças e acredito que com pouco podemos ajudar quem mais precisa. E vocês?

Bom dia Alegria!

[fotografia: arquivo pessoal - Manel - 03-Jul-2012]
Estamos de volta de umas férias que de nada souberam a férias. Apenas uns dias sem trabalho, duas idas à praia e um dia ficámos pela piscina.
Cheguei mais cansada que nunca e estivemos os dois sozinhos com alguns amigos que nos aturaram com todo o carinho que têm para dar.

Voltei ao trabalho, mais confuso que nunca estava e claro, acumulado.
Vivam as pilhas de papéis e a preservação do meio-ambiente.

Manel a ressacar de umas férias. Febre começou domingo à noite, ontem voltou a ter pela tarde e ainda agora o fui buscar ao colégio. Tenho-o aqui, a desarrumar o meu espaço e à hora de almoço vou entregá-lo ao avô, que felizmente tem um trabalho que pode fazer quando quer (ou pode, neste caso).

É nestas altura que deveria ter o euromilhões premiado na carteira, ou então um trablho que pudesse gerir o meu tempo como quisesse. Porque eu não tenho medo de trabalhar, só o queria fazer à minha maneira.

Pois que começamos bem o mês de Julho.

Ah, mas estamos felizes. Os dois. Eu a procrastinar neste momento e ele aos pontapés ao armários.
Viva a liberdade de expressão, ao menos isso :)